sexta-feira, 30 de março de 2007

Alguém, por favor alguém... pô, alguém caralho! Me ouve!Alguém pode me dizer? Pode? Me diz, quem sou eu e quem eu fui, quem serei?Será que alguma alma, alguma alma, qualquer uma pô, pode me dizer que diabos está acontecendo comigo?
...
Sabe, quando me disseram 'Pode escolher pra onde quer ir agora', achei que a Terra seria o lugar mais
apropriado. Tão lindo, tantas pessoas, belezas. Quantas flores, cheiros, amores. Quantas mulheres, oh Pai! Quanta facilidade, quanta felicidade! 'Poxa, quero ir pra Terra', pensei. Mas por que eu não quis enxergar a dor? Essa dor que habita em mim, mas que só dou sua devida
importância quando ela está rasgando meu peito, cortando minha pele, enfiando cebolas em meus olhos. Eu não sou daqui, marinheiro. Eu venho de longe. Vim não sei por quê. Só vim. Do outro planeta eu avistava as belas, as lindas, as belas, as lindas, as belas e lindas coisas. Sabe
o amor? Então, de lá, do meu planeta, o que eu via era a coisa mais pura e intensa. A natureza mais sublime. Mas agora que cheguei bem perto, eu vejo dor. Eu sinto dor. Dói pra caramba sabe. Dói eu não saber se sei o que é o amor. Dói tanto que me dá vontade de voltar pra minha casa. E só observar novamente. Só que eu não consigo. Me jogam muito amor na cara na boca nos olhos no cabelo na nuca nos seios nas pernas no corpo inteiro. Me jogam tanto que eu não consigo/quero deixar cair no chão. Porque de lá do meu planeta era tão lindo...Eu não sei guardar. Eu sei lembrar. E relembrar. Conforme o meu corpo pede. Conforme o amor que jogam
em mim. -Mas por que é que jogam tanto?
Porque você vem de outro planeta menina. Você não é daqui não, marinheiro. Você vem de longe. Lá de onde a areia surge de uma palavra para lhe fazer dormir, as nuvens surgem de um cílios molhado de choro, e o sorriso... bom, o sorriso não surge. Ele lhe é. Porque essa é a sua fuga. Se não sei se sei amar, então acho que o sorriso faz isso por mim.E te digo na sutileza do orvalho da parreira: o sorriso nada mais é do que o amor. E olha como você
ama, menina! Olha como você sorri! Olha que sorriso lindo! Olha que amor lindo!

-Sabe irmã, pode ser que nada dessa historinha que você contou seja verdade. Mas eu acredito em você.
Porque te amo muito, e olha como você sorri!


N.

Pedaladas de prazer

Fiz tudo o que tinha de fazer, lavei minhas roupas estressada, fiz minha comida amarga só para me dar um gosto mais forte na boca. Garrafas de água para que minha saliva não falte e para entrar direitinho naquela dieta besta que resolvi começar.
Desci com a Lola pra passear, e quase não tinha paciência para ela fazer seus xixis e seus cocos do dia. Ia arrastando a cachorra pela rua, como se ela não tivesse pernas para andar sozinha.
Voltei para casa e resolvi por uma música antiga. Meu coração batia como naquele tempo, é naquele tempo mesmo, esse aí em que meu sorriso parecia uma maçã vermelha, limpa, saborosa. E em que cada pedaço de gengiva do meu sorriso aparecia um novo tom de cor. Lembrei do meu antigo perfume, meu cheiro de alecrim misturado com hortelã e todas as pitadas verdes que ainda não existiam.
Eu ainda sabia a letra da música certinha, e ela me encaixava novamente, doloridamente, como naqueles meses. Amarrei um lenço verde nos meus olhos, abri a lista de endereços sem ver, apontei com o dedo, e caiu bem na Salto Grande. Aquela rua cheia de árvores, perto do Bosque Oliveira.
Desci as escadas correndo até a garagem e fui de bicicleta até lá.
Estava escurecendo o céu, mas ainda eram umas três da tarde. As nuvens rolavam pelo céu rasgado por alguns relâmpagos ao longe. O vento arrastava latas e folhas que caiam por esse outono nas ruas, janelas batiam feitas estouro de revólver, buzinas de carro por todo lado, o transito aqui cada dia mais engarrafado.
Os pingos de chuva começavam a me atingir no rosto, e meu cabelo contra ao vento começava a umedecer. Meus olhos fechavam lentamente para que os pingos não o atingissem, e minha boca entre aberta era lambida sutilmente para não ficar molhada, como os pára-brisas dos carros.
Entrei no Bosque pela rua de trás, e avistei de longe, aquele cabelo escuro voando no vento. Eu podia escutar as notas daquela música novamente, em sinos, em instrumentos que nem sei o nome, mas eu sentia a presença deles ali. Ela era molhada sem nem ligar, e o mundo podia estar estourando em relâmpagos e raios destruidores ali fora, mas ela continuava intacta, ilesa e ainda por cima, preparada para o que viesse.
Por trás fui indo, e a cada centímetro andando meu coração parecia descontrolar-se, sair do eixo, perder-se no mundo. Não sabia sentir se era na garganta, nas mãos, no peito, na mandíbula ou onde quer que fosse ele batia tão rápido que eu sentia-o em todos os lugares do meu corpo quente. Eu o escutava fortemente pulsando.
Encostei a mão nos ombros e demos um abraço. Era nosso primeiro banho de chuva. O mais bonito da minha vida, por que fora o único junto de alguém. O mais bonito da minha vida, por que fora o único por amor. E eu amava.
Era quase noite quando parou de chover. O céu tinha tons púrpura no alto e logo em baixo eu só conseguia afirmar meus olhos para os tons de baunilha que vinham acompanhados de cheiros refrescantes.
Sem ao menos uma despedida, decidi partir com um sorriso no canto e um olhar profundo. Fui embora pedalando minha bicicleta velha, com o vento me secando e com a fotografia de cada momento na cabeça.
Cheguei em casa e Lola nem latiu, nem se moveu. Continuou deitada na sua caminha cor de abóbora que eu tinha comprado, tomei um banho quente e o vapor embaçou todos os vidros daquele banheiro grande demais para mim. Olhei minha escova de dente ainda sozinha. E sai de lá, apaguei a luz, e enquanto me trocava naquele escuro iluminado apenas pelos reflexos do espelho, sem querer pensar em nada do que tinha acontecido, senti vagamente que havia mais alguém comigo no apartamento.
Minh'alma havia voltado.




C.

quinta-feira, 29 de março de 2007

e depois de sentir um leve fisgar dos calcanhares, depois de ouvir meu estômago reclamar de gases, e ver muitos fios de cabelos caindo de minha cabeça, após sentir antecipadamente o cheiro da merda que corria pelas minhas tripas, acordei num estalo de certa paralisia vital, uma não-vida (consequentemente nem morte) temporária.
Tinha algo na minha boca, algo já não tão fresco que havia esquecido de saborear. Então saboreei, e lembrei o quão prazeroso é saborear.
Sentir um gosto, encontrar prazer, tocar todos os sentidos como se um só fossem (e quem sabe sejam mesmo).
Vivo sou e estou ao poder sentir os sabores de minha lingua.


(só não coloquem amor na boca que quem saboreia, pois amor tem o sabor amargamente envolvente, e torna eterna cada textura, a cada mordida infinita. é como descansar do tempo. é como dormir de dor.)



G.

segunda-feira, 26 de março de 2007

Dentro da cabine

O calor tomava conta daquela festa. Beijos por todos os cantos. Pessoas em todos os cantos bêbadas, sozinhas e acompanhadas. Mais acompanhadas do que sozinhas. Dentro do banheiro o som ficava abafado, e eram poucas pessoas que de vez em quando apareciam por lá. A música ali, era outra. Soava o tremido vindo de fora, algumas descargas, pessoas lavando as mãos, trocando palavras, poucas palavras. E uma batida repetitiva de ‘tum-tum’ dentro de uma cabine.
Era de se escutar o fôlego faltando, e os suspiros fortemente agudos iam tomando conta daquele território. Se pudesse, tinha levado uma pipoca e não tirava os olhos daquela porta se movimentando, e os pés, avistados por de baixo da cabine. Um all star preto sujo e outro azul na ponta dos pés. Como nos filmes. Como nos sonhos.
Os olhos se fechavam como se não houvesse mais ninguém no mundo, como pétalas caindo nesse outono quase frio. O suor descia, escorria a testa, e molhava sutilmente entre os seios e as costas. Os olhos se olharam fundo. Um sorriso foi lançado e não foi preciso mais que isso.
Os dedos despiam-se tudo como se ouvisse jazz, e os lábios encaixavam em cada pele descoberta. Em cada pinta descoberta. As borboletas navegavam em busca de uma nova descoberta, e as cores tonificavam cada parte intima agora atingida. Agora mostrada. Os cabelos à cada segundo mais úmidos e os movimentos se encaixando. Se ofegando. Se juntando.
Até que os lábios se tocaram sutilmente, e as mãos desceram e subiram fazendo movimentos leves e macios pelos corpos nus.
Não foi preciso mais que um olhar, mais que uma batida, mais do que aquela música.
Não foi preciso acelerar mais que isso, porque o tempo congelou cada traço, cada movimento, cada sensação e não há aceleramento nenhum, que desfaça e que derreta essa lembrança. E aquele sabor.
Tudo podia terminar ali. E terminou.




C.

terça-feira, 20 de março de 2007

Atenção.

Quero falar agora parte do que me aflige, mas que de modo algum me oprime.

Sou pouco. Quem tambem for, me abraçe.

Não posso sequer sair das metáforas sem me confundir todo, sem me sentir falso. Não posso lidar com nenhum outro problema que não seja o problema mais fundo, o mais antigo.
Vejo em mim duas faces, e nesta paisagem estaciono. São duas faces. E até que alguem me levante e me faça caminhar pra mais perto, pra mais dentro destas, vejo apenas duas faces, não percebo que em cada uma destas existem mais duas, e mais duas em cada uma, e mais e mais.
Não suporto o infinito, por isso ainda o chamo assim. Não suporto a idéia de mergulhar nele, de me perder numa conta sem fim.
Me chamam de aventureiro. É mentira.
Me chamam de poeta, é tambem. Sequer suporto a poesia, não posso com ela. Então a vejo em todos os cantos para que ela nunca me surpreenda, pra que nunca me dome.
Sou minúsculo, considero "ser" apenas as características mais raras de mim. E nelas me apoio, e delas me orgulho.
Sou pequeno, ao ponto de vomitar esta confissão para que ela não me machuque tanto.

Acontece que ser grande não é o principal.

o principal é ser, portanto, eu e meu pequeno tamanho seremos um ponto final.





G.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Sentimento velado

Eu era pele, alma e coração. Eu era tanto, mais tanto, que quando me dava conta, acabava não sendo nada. O cheiro de alecrim misturado com a fumaça do seu cigarro, o perfume dos lírios intercalados pela leveza das flores do campo invadindo o meu corpo como lanças que ultrapassavam todo o limite imposto... Tudo aquilo, nada disso.
Podia sentir todas aquelas borboletas brancas sambando em passos firmes dentro do meu estômago. Elas se debatiam em sustenidos só pra deixar tangível o ritmo forte que fazia arrepiar da nuca até...
Eu me sentia quase inteira em um momento e no outro, milhões de frases rudes vinham no limite quase que incontrolável pra afirmar mais uma vez a minha metade. Só uma. Sempre.
Nós ali, quietas, buscando a profundidade perdida nos olhos alheios. E alheias. Alheias a tudo. Menos ao doce néctar das noites quentes, que escorria junto com os nossos suores a espera do não-sei-oquê que ecoa no silêncio, mas que tudo diz.

Você veio, me beijou de morte, e eu nem liguei.



L.

O adeus mais sincero

Eu apertava os olhos para que os raios solares não me atingissem mais. E minhas mãos suavam quentes e ainda tremiam conforme os passos. Passos meus, tão pequenos e rápidos.
Meu lábio inferior pedia a todo segundo, um pouco mais de saliva, um pouco mais de amor, um pouco mais de você. E meu sorriso deixava de existir em todos os mais que eu engolia como por ‘não’, e a cada centímetro que eu desejava engolir.
Andei por ruas estranhas naquele dia, tentei ir sem medo e sem medo fui. Olhei bem nos olhos de cada pessoa que passava na rua, olhei bem para cada pé descalço e para as crianças que cantavam e dançavam em uma ciranda.
Eu queria você lá comigo, mas sua morte te fez negra até em pensamentos. E o teu poder mágico, lúdico e insano, me dominou tanto ao ponto de te esquecer pelas manhãs e bem no fim da tarde. Mas sabes que o resto do dia e principalmente pela madrugada meus pensamentos não fazem parte de um mundo Terra, e sim, um mundo com o Teu nome.
Naquele dia voltei pelo mesmo caminho de pedra que costumávamos voltar, e o sol queimava minha cabeça, como se você fizesse inferno de meus dias, como se você não quisesse me mostrar o bonito que ainda existe em mim. Olhei várias vezes para trás com esperança de que você fosse estar ainda perto. Fiz um gesto com a mão insinuando um adeus tardio. E foi.
Foi o adeus mais sincero que já dei.
E hoje visitei seu túmulo pela primeira vez, ao lado do meu, ainda vazio. E espero que tenha me levado contigo, por que em mim, ainda sinto seu cheiro, ainda sinto seu jeito, ainda sinto seu riso e seu pranto raro. Ainda sinto um peso dos seus olhos nos meus, e ainda tenho seu gosto de pipoca com confete que tanto gostávamos. Espero que tenha me levado contigo, por que em mim ainda sei que você está.





C.