sábado, 31 de maio de 2008

A noite, do lado de lá.

Juntei todas as minhas coisas. Abri a porta, acendi um cigarro e olhei para atrás, só pra ter a certeza de que você ia estar me olhando, chorosa. Não hesitei, fechei a porta e fui embora. Eu não aguentava mais, precisava respirar.
Cheguei no hall do prédio, um vento gelado. Como um animal, meus pêlos se eriçaram e me esquentaram do vento. Coloquei meus óculos e segui em frente. Adeus.
Como quem termina uma página do livro, virei a minha página. A partir de agora era tudo branco, limpo e liso pra eu escrever. O primeiro passo foi difícil, porém não tive medo. Fui em frente.
Agora sou eu que escrevo. Eu decido se quero sofrer, ou não. Dar risada também, me afogar na primeira poça. Eu decido.
E decidi não olhar para atrás. Não te ver mais.
O meu cordão com você é para todo o resto, então, por hora, seja rompido.




D.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Muliere

Não há nada mais belo nesse universo de sentimentos coisificados
Do que uma mulher com suas curvas periclitantes,
Seus suores cheirando a perfume francês,
Seus seios, esféricos,
Fruto da perdição divina,
adocicado, perene.
Nã0 há nada mais sagrado cercado de atmosfera mundana,
Do que a fragilidade da mulher,
Ninfa, anjo, puta,
Querendo se encontrar,
Fingindo se perder.
Mulher é líquido adocicado,
E se saber mulher, é prová-lo
Precisando
Apenas
Fechar os olhos,
E abrir todo o resto.
Mulher é grande tendo não menos não mais que um metro e sessenta e poucos.
Mulher é bicho,
É música, é estrada escura,
vazia.
É trânsito da seis,
É surto da madrugada.
Mulher é a dor e o prazer de ser e se sentir

Mulher,
O tudo
querendo ser quase-nada.

L.

sábado, 10 de maio de 2008

Eu minto.

Eu minto durante todas as estações, principalmente nessa, quando os ventos são mais frios e os dias mais curtos. Minto quando acordo e quando durmo, quando falo e quando danço, e até quando digo que te amo. Minto todos os dias, a toda hora e para todas as pessoas. Nessa época do ano, os malditos ventos frios trazem o desordenado incômodo da inconstância. Minto por que tenho motivos de sobra para não querer a verdade. Ela me entorpece e ludibria enquanto flutuo sem maiores preocupações.
Não te amo, apenas sinto falta da perna que amputei, a perna que mal sinto que mal conheço que mal vejo e que tanto sei. Ardo pelo amor que um dia alimentei e sigo mentindo costurando as minhas inverdades com as inverdades alheias, procurando a insensatez onde ela não existe, tentando acertar insistindo no erro, acreditando nas minhas mentiras, como se elas durassem até amanhã.
Saudosa verdade, foste a razão da minha honestidade. Mas há tempos olho nos seus olhos e te faço acreditar em todas as minhas mentiras, exatamente como acredito piamente nas suas quando me falas tão verdadeiramente.
Perdão, às vezes me esqueço da sua natureza devassa. Ah, e perdoe também a minha sinceridade, eu sei que ela destrói tudo o que ainda resta de bom naquilo que fazemos tanta questão de dizer que está encerrado.
Por isso sigo mentindo, todos os dias, a toda hora e para todas as pessoas...
Minto para nem saber da verdade.

S.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Inverno delicado.

Fiquei parado te ouvindo cantar.
Sentava e levantava. Hesitei.
Você roubava minha atenção, mas eu não me movia.
Meus olhos estavam deslumbrados com a lua.
Minha cabeça, atrapalhada.
Você me olhava.
Eu não tinha mais o que dizer.
Meus pés frios, minhas mãos geladas, meu coração acelerado.
Não hesitei.
Te abracei e te beijei como nunca tínhamos feito antes. Era amor.O nosso amor.
O beijo, o abraço são como grãos de areia do infinito mar de amor que carrego comigo.
E que todos os dias o tenho em meu horizonte.


D.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

margaridas amarelas

Hoje recebi flores, daquelas que não consigo parar de olhar, não sei quem me mandou, mas no cartão estava escrito "dos tempos de ontem e aos nossos sonhos". Fiquei o dia inteiro entalada, sem saber o que fazer, só olhando aquelas margaridas amarelas, pensando em quem poderia me mandar flores numa sexta-feira depois do feriado.

Quando olho para elas me vêm lembranças de um dia de primavera que uma menina andava para o mesmo caminho que eu, do outro lado da rua. Eu a seguia com os olhos como se conhecesse aqueles olhos tristes de algum lugar, seus cabelos estavam raspados e o ar que me estranhava era que eu estava interessada por uma menina que parecia ter uma doença destruídora.
Nesse dia ventava um vento frio e eu não conseguia enxergar nada a minha frente, só seguia devagar com os olhos aquela menina do outro lado da rua. Tinha tanta vontade de atravessar a rua e pegar na mão dela, tinha vontade de chorar e abraça-lá sem ao menos dizer uma palavra, mas me contive quando percebi que ela iria atravessar a rua.
Quando olhei para trás, avistei uma daquelas caminhonetes grandes que a maioria dos fazendeiros tem, num desespero imenso joguei minha bolsa e minha blusa no chão, saí correndo em direção da menina pálida que se quer olhava para o lado antes de atravessar a rua, quando estava perto de detê-la escorreguei no sabão de uma calçada que estava sendo lavada. Só deu tempo de ouvir o barulho da freada e a dor do grito dela - foi o grito mais silencioso que lembro ter escutado.
Fui mancando até ela, já havia uma multidão de gente envolta da menina atropelada. O homem de bigode que estava dirigindo a caminhonete estava apavorado, deixou o telefone com a dona de um hotel que tinha ali perto e saiu sem prestar socorro algum. Fui entrando naquele formigueiro de pessoas, quando eu cheguei ao centro ela estava toda ensangüentada e ao lado tinha uma margarida amarela quase sem pétalas. Ouvi as pessoas falando que ela já estava morta, então segurei sua mão para sentir se ainda havia alguma pulsação, mas estava tão quieto e silencioso quanto seus olhos.
Ajoelhei-me ao lado dela e senti um nó na garganta tão grande que desejei morrer ali, segurando aquela mão. Aos poucos as pessoas foram embora, e o socorro demorou quase duas horas para chegar, fiquei ajoelhada com uma dor no peito, segurava o choro, e ainda sentia algumas lágrimas caindo no chão. Não conseguia parar de olhar aquele rosto pálido e magro, seus lábios vermelhos já estavam perdendo a cor. De repente parou de ventar, olhei para trás e a ambulância estava chegando. Olhei pela última vez aquela menina totalmente desconhecida que naquela hora parecia estar mais feliz do que quando a vi caminhando devagar do outro lado da calçada.

Eu sei que não foi a menina pálida que me mandou as flores hoje, mas desde a hora que acordei com as margaridas e aquele cartão estranho, não paro de pensar naquele dia, e no porque eu olhava tanto aquela menina do outro lado da rua. Fico me perguntando se ela percebeu que eu a olhava, mas cheguei à conclusão que ela não me viu e não me sentiu em momento algum. Sinto tanta falta dela hoje, queria apenas sentir sua presença em algum dia de vento.

C.