sexta-feira, 2 de maio de 2008

margaridas amarelas

Hoje recebi flores, daquelas que não consigo parar de olhar, não sei quem me mandou, mas no cartão estava escrito "dos tempos de ontem e aos nossos sonhos". Fiquei o dia inteiro entalada, sem saber o que fazer, só olhando aquelas margaridas amarelas, pensando em quem poderia me mandar flores numa sexta-feira depois do feriado.

Quando olho para elas me vêm lembranças de um dia de primavera que uma menina andava para o mesmo caminho que eu, do outro lado da rua. Eu a seguia com os olhos como se conhecesse aqueles olhos tristes de algum lugar, seus cabelos estavam raspados e o ar que me estranhava era que eu estava interessada por uma menina que parecia ter uma doença destruídora.
Nesse dia ventava um vento frio e eu não conseguia enxergar nada a minha frente, só seguia devagar com os olhos aquela menina do outro lado da rua. Tinha tanta vontade de atravessar a rua e pegar na mão dela, tinha vontade de chorar e abraça-lá sem ao menos dizer uma palavra, mas me contive quando percebi que ela iria atravessar a rua.
Quando olhei para trás, avistei uma daquelas caminhonetes grandes que a maioria dos fazendeiros tem, num desespero imenso joguei minha bolsa e minha blusa no chão, saí correndo em direção da menina pálida que se quer olhava para o lado antes de atravessar a rua, quando estava perto de detê-la escorreguei no sabão de uma calçada que estava sendo lavada. Só deu tempo de ouvir o barulho da freada e a dor do grito dela - foi o grito mais silencioso que lembro ter escutado.
Fui mancando até ela, já havia uma multidão de gente envolta da menina atropelada. O homem de bigode que estava dirigindo a caminhonete estava apavorado, deixou o telefone com a dona de um hotel que tinha ali perto e saiu sem prestar socorro algum. Fui entrando naquele formigueiro de pessoas, quando eu cheguei ao centro ela estava toda ensangüentada e ao lado tinha uma margarida amarela quase sem pétalas. Ouvi as pessoas falando que ela já estava morta, então segurei sua mão para sentir se ainda havia alguma pulsação, mas estava tão quieto e silencioso quanto seus olhos.
Ajoelhei-me ao lado dela e senti um nó na garganta tão grande que desejei morrer ali, segurando aquela mão. Aos poucos as pessoas foram embora, e o socorro demorou quase duas horas para chegar, fiquei ajoelhada com uma dor no peito, segurava o choro, e ainda sentia algumas lágrimas caindo no chão. Não conseguia parar de olhar aquele rosto pálido e magro, seus lábios vermelhos já estavam perdendo a cor. De repente parou de ventar, olhei para trás e a ambulância estava chegando. Olhei pela última vez aquela menina totalmente desconhecida que naquela hora parecia estar mais feliz do que quando a vi caminhando devagar do outro lado da calçada.

Eu sei que não foi a menina pálida que me mandou as flores hoje, mas desde a hora que acordei com as margaridas e aquele cartão estranho, não paro de pensar naquele dia, e no porque eu olhava tanto aquela menina do outro lado da rua. Fico me perguntando se ela percebeu que eu a olhava, mas cheguei à conclusão que ela não me viu e não me sentiu em momento algum. Sinto tanta falta dela hoje, queria apenas sentir sua presença em algum dia de vento.

C.

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