domingo, 1 de abril de 2007

Amores e desejos líquidos

Noite quente. Meu coração – congelando. Como sempre. Como nunca. Naquele compasso lento e depois rápido que faz as pernas bambearem de vez em quando e o ar fugir do pulmão para algum lugar que eu não sei bem onde fica.
Eu precisava dele quente. Sete vezes quente – o coração. Eu precisava sentir o vento do outono e ver, plena e breve, as folhas caindo conforme o balançar das árvores. Eu precisava desprender desse gosto de morangos mofados que não possuía só a minha boca, possuía o meu corpo todo, e a minha alma – o que é mais difícil. Desaprender. Só pra sentir aquele cheiro de frutas frescas misturado com margaridas, que só a aprendizagem por inteiro tem, mais uma vez. Mas precisar é vago. A gente precisa de um monte de coisas todo a hora. Precisar. Verbo intransitivo. Preciso de alguma coisa. Alguma coisa diferente de todas as outras algumas-coisas que eu já ousei precisar – mas nunca tive – antes. Mas não sei o quê é. E preciso sozinha, eu e minha outra metade – minha – perdida por aí sambando em passos breves.

Na mesma noite quente, na mesma saudade apertada – e apertando – de alguma coisa que eu nunca conheci, na mesma angústia insolúvel procurando se difundir por entre as palavras soltas no vento seco, quase parado... eu a encontrei. Não a minha metade. Ela. Quando a vi, atravessando a rua, meio-vergonha meio-vontade, se ajeitando toda para se esconder depois por trás de toda aquela profundidade funda-sem-fundo, lembrei na hora daquele trecho do caio que dizia –Alfa é meu nome. – Esse é teu nome de guerra? – Não, esse é meu nome de paz.
De paz. De paz. De paz. De paz. De paz. De paz. De paz.
De repente eu enxerguei.
Era disso que eu precisava. Só disso.
Eu enxerguei sossego nos olhos dela. – Ah, aqueles olhos! Tão negros e tão profundos.
Foi muito. Muito pra pouco ou pra quase nada. – Sempre assim.
Um dia, uma noite, um dia, uma noite. Nada mais doía, nada mais latejava, éramos nós. Eu e ela. Amores e desejos líquidos. Devassou-me.Tirou-me de mim antes que eu mesma me tirasse. – Não de mim, dela. Desbravou cada fiapo perdido de dor antiga, e depois os arrancou, um a um, bem devagarinho pra eu não ficar me doendo ao seu lado. E eu não ia ficar. Não ia. Nunca. – Mal sabia ela. Depois derrubou meu muro e o fez parecer tão pequeno que quase beirava uma ilusão. E talvez realmente fosse.
Era aquela sensação. Aquela. Que todo mundo fala, fala, fala, mas que quase ninguém sente. E eu sentia. E não precisava saber o que realmente era pra saber que eu sentia. Sentir é diferente de precisar, não é limitado. É o ápice do prazer antes do transbordar.
Acordei com gosto de hortelã e alecrim na boca. Senti todos os seus gostos, seus cheiros, cada pedaço de pele e cada cicatriz escondida por entre cada curva. Eu a sentia. Sentir alguém é sete vezes melhor do que se sentir. Agora eu tinha certeza.

Teria sido a noite-dia-noite-dia mais bonita de todas as minhas vidas. Vidas no plural porque uma não me basta. Preciso de várias pra ser tudo o que eu quero ser, nesse quadro de paradoxos frios e contradições. No final, tenho tantas e acabo só vivendo uma. É burquesa até mesmo a nossa busca pelo transbordar-pequenas-porções-de-ilusão. Deixei de lado todas as milhões de outras vidas cheirando a mofo, cheias de sonhos ruins e com aquele gosto amargo de metade cansada. E fiquei só com essa, a minha, essa com o gosto daquele sorvete azul, que eu adoro, e que você aprendeu a gostar comigo, essa que possui todas as cores de infância que na verdade eu não me lembro bem de ter visto, essa que possui todo esse aroma fresco de amadurecimento necessário que só os lírios conhecem realmente. Essa, que é para ser vivida, transbordada e digerida, sa-bo-ro-sa-men-te.

Teria. Teria. Teria. Teria. Teria. Teria. Teria.
A vida escorre - devagar - em copos de cerveja, o tempo corre enjoadamente como em batidas cansativas de ponteiro de relógios. Há histórias, amores, gestos e toques que são reservados apenas para dias específicos. - Uma pena que tudo, hoje, não passe de uma mentira sincera de tudo o que a gente sente, sonha e idealiza, de toda a nossa essência - perdida - por entre as rimas tão fáceis e tão verdadeiras por trás de todas aquelas entrelinhas. É realmente uma pena.


Corre, tenta não pensar. Corre de novo. Mais uma vez. E de novo. E mais trilhões de vezes de novo até sentir seus pulmões pulsarem junto do coração, procura lábios de álcool, poesia – amor- mas não tem jeito. É sempre assim. Desse jeitinho assim. Trágico e pleno. Mas doce. Sete vezes doce.

L.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ain.