quarta-feira, 4 de abril de 2007

A verdade em branco e preto

Vejo as cores. Aquelas. Recheadas de mentiras sinceras, cheias de sorrisos largos, ora desconcertantes, ora desconcentrados. Vejo o céu – ah o céu. Alguém havia reparado na profundidade arrebatadora que possui o céu hoje? Roxo e vermelho. Dizem que roxo e vermelho é a cor da perdição. Roxo e vermelho. Quero é me perder, só para poder sentir a poesia errar de veia no ato de me encontrar. Perco-me entre as nuvens de baunilha do céu de Monet e me misturo no surrealismo ácido de Dalí. Danço feita bailarina torta por entre os caminhos de Oz, corro do monstro da torre do Orco, despedaço-me como pétalas secas sob o sol escaldante do meio-dia, e nasço, ou melhor, renasço no orvalho quente-frio de cada manhã. Sinto, agora, no silêncio da escuridão, o vento dançando, leve, sobre meus cabelos, me envolvendo, me desenhando, colocando em ordem frase por frase bagunçada entre meus versos aleatórios e sem fôlego.Perfeição beirando a não-lucidez. As cores. As brisas. As sensações.Sinto-me a protagonista de uma música do Chico. Roda viva. Ou quem sabe uma das mulheres de Vinicius. Isso. Sou a própria menina com uma flor. Flor de Lírio. Entro na sala de espelhos, olho para um deles e desafio a me amar. No frêmito entre uma respiração e outra, o cheiro de poesia misturado com o gosto do álcool, preso como unha e carne entre os meus lábios, se desenrolava, breve, sobre o meu corpo. Sentia cada fisgada, amarga, de prazer. Sentia cada dor, pura, do à-flor-da-pele. Sentia cada gota d’água, uma por uma, transbordar além do acima do além sobre mim. Morro de vontade, seco de desejo e ardo. Dói-me arder toda. Mas é doce sentir o arder. Então ardo. Transbordarder.

Vejo os tons coloridos, todos em preto e branco. Sorrisos contraídos e contrários. Vejo o céu, metade cinza. Quantos versos vazios serão precisos para me fazer espatifar no chão como Lolita após escutar todas as manhãs – luz da minha vida, labareda em minha carne? Tão vazio, tão fundo-sem-fundo. Me vejo no reflexo do olhar de Monalisa, e me reflito junto ao seu abstrato perdido em algum lugar que eu não sei onde fica. Os milhões de vasos sem nenhuma flor padecem sobre minha varanda cercados da imensidão vaga dos vaga-lumes. Sento naquele balanço, já velho, e fico vendo o tempo passar feito um cigarro queimando, vendo a vida escorrer feito aquela gota d’água que um dia transbordou em uma rima, ácida, nas minhas profundidades. Não há lírios. Há só alguns vestígios, tão pequeninos, de poesia que ás vezes aparecem em um ruflar de asas de borboletas, perdidas, no meu estômago.
De toda aquela coleção de eternidades pífias e semi-puras que possuíam aquele gosto eterno de nunca e de pra sempre - meio-doce meio-amargo - a única que ainda está aqui, intacta, é a sala de espelhos, onde eu me olho, enfrento-me, quase me ardo, que me deixa muda - de corpo e e de alma - apresentando-me uma nova versão, rude, da mesma coisa. E tudo o que eu consigo enxergar é uma uma mancha desfigurada, das cores, daquelas cores, minhas, de Picasso, talvez de Tarsila, cores de Frida Kahlo, todas - pasmem - em preto e branco.

Open your eyes;




L.

Um comentário:

Unknown disse...

Devo dizer que perdi o fôlego ao ler tantas descrições de sentimentos e inquietudes que permeiam os meus dias, algun cinzas, outros com as cores da aurora boreal.
Como uma borboleta em meu estômago, que muitas vezes não consegue se expressar, estas palavras o fizeram.

Uma nova admiradora...