quinta-feira, 17 de maio de 2007

soneto sobre cheio de grama

hoje as coisas aqui estão bem tensas. talvez você nem saiba onde diabos seja "aqui". e é assim, tão assim, que as coisas acontecem entre dois. é tão assim que sinto. e sinto muito. distante como se fizesse tão e não parte, como se de dois só pudesse esperar nada. ou como um abraço gêmeo que voa longe como pipa em campo. que voa longe com o vento. e vai fugindo, voando, tão leve, tão pássaro. continua fugindo, rodopia e rodopia. e frouxa de rir, sem saber até que ponto vou aguentar, sem saber quando vai chegar a hora de cair na grama macia, cheira de ternura e rir e rir e rir e rir e rir, vou correndo. e depois de tanto, noto a pipa caindo, mansinha como o vento, silenciosa e branda como bruma, beirar a rodovia. olho para os lados e vejo que estou sozinha e de repente, como quem acaba de perceber uma formiga no meio do calçadão, percebo o meu riso fazer-se pranto. abraço o chão, a terra e qualquer coisa que possa relar, pegar, qualquer coisa sólida que me faça acreditar viva. qualquer coisa que sinta tocar minha pele e que me faça saber que ainda tenho sistema nervoso e tato. noto a nostalgia da grama verde, tão verde que reflete o sol, que quase reflete a lua. tão, mas tão verde que chega a ser densa, tensa, suspensa. quase preto-e-branco, tons de cinza. e da calma fez-se o vento e da urgência um furacão. me dá sua mão, meu amor. não tenha medo não –eu disse fingindo que não tenho- vem olhar o mundo aqui fora, olha como a grama é verde, tão verdinha, tão sua. joga seu corpo no mundo, vai sendo como pode, te amo em cada canto seu, me da sua mão, pô! e assim, sem saber quem deu a mão pra quem, a gente foi andando, tocados lá dentro pela vida preto-e-branco que vira cor passo a passo –como filme bobo numa tarde com pipoca.

eu velhinha vestida com rugas. um amor de bengala que insiste. netinhos correndo pela casa –um retrato que não existe. então se não existe, invento. sento no banquinho alto com dificuldade para equilibrar por causa da artrite, posiciono o cavalete e pinto. vou pintando, cantando e pintando e cantando. como fotografias instantâneas da felicidade, lembro de como era, sem talvez nem ter sido. e mesmo que tenha soltado a minha mão eu ainda seguro a sua. mexo nos seus dedos como sei que bem gosta, me apegando a cada picuinha, decorando cada detalhezinho. aprendendo de cor, com o coração. decoro os dedos com coisinhas artesanais, com anéis de mentirinha e continuo correndo atrás da pipa, correndo, correndo. vou perdendo partes de mim, sem saber se vale, sem saber se devo, sem saber. vou correndo e me jogando na vida, enquanto perco partes de mim, enquanto já me perdi inteira. e continuo correndo sem saber porque corro. e a vida, e a pipa, sem saber porque fogem. e de repente de um quadro, de um retrato, de um momento imóvel fez-se o drama. e das mãos empalmadas fez-se o espanto –como o susto de línguas que se encontram pela primeira vez. e que se encontraram pela última. e de repente, não mais que de repente das bocas unidas fez-se a espuma e quase o vômito.

F.

2 comentários:

Anônimo disse...

meu pavor
s.

Anônimo disse...

de repente do riso fez-se o pranto.